A liberdade não é um dado adquirido!
Esta frase tem-me acompanhado há já algum tempo. O seu significado e, acima de tudo, a sua abrangência, deixa qualquer de nós extremamente preocupado com o nosso futuro.
Tenho a sorte de ter nascido já depois do 25 de Abril de 1974. Não sei o que é viver em ditadura, não sei o que é não poder dizer o que sinto e o que penso. Não sei o que é não poder ler o jornal que me apeteça, dizer os disparates que quiser, destratar políticos e partidos quando assim o entendo. Não sei o que é viver numa sociedade receosa do que pensa e diz. Não sei o que é não poder votar nem ser eleito. Felizmente que este tempo não foi o meu.
Mas a Liberdade é muito mais do que isso. A Liberdade assume muitas formas e não é uma entidade única. Aliás, a Liberdade como eu a idealizo, é um conjunto de pequenas liberdades interligadas que se espalham pelas mais diversas vertentes e que, reunidas num todo, assumem a dimensão de Liberdade tal como hoje a conhecemos.
O que é então a Liberdade?
Para mim, liberdade é também, por exemplo, poder ir para qualquer sítio em Portugal e em grande parte da Europa sem ter de andar a parar em cada fronteira. Assim como com os nossos congéneres europeus quando vêem a Portugal.
É, por exemplo, poder comprar uma garrafa de vinho francês sem qualquer restrição, mesmo sabendo que o nosso vinho é, na minha opinião bem melhor que o deles.
É entrar num supermercado e poder comprar fruta estrangeira porque ela é mais barata que a nacional, tendo a liberdade de decidir se quero poupar dinheiro que é meu ou se quero ajudar a economia nacional, que é de todos.
É escolher livremente se quero ter filhos ou não e quantos quero ter, sem ter de dar cavaco a ninguém dessa decisão (exceto naturalmente à família),
É decidir a qualquer momento se quero ver televisão portuguesa, pública ou privada, ou se prefiro ver apenas canais estrangeiros.
Liberdade é também escolher estudar em qualquer área, em que instituição estudar e que curso tirar.
É poder escolher se quero continuar a trabalhar onde trabalho ou se quero procurar outra alternativa, em que área quero trabalhar e em que sítio quero procurar trabalhar.
Também é Liberdade optar ou não por fumar, mesmo sabendo que me faz mal a mim e aos que me rodeiam.
Apenas porque tenho Liberdade posso decidir se quero ou não votar ou propor-me a ser eleito, manifestar-me em qualquer local quando discordo de algo, reunir-me em associações e coletividade que não têm de se esconder e poder desenvolver os fins para que foram criadas sem a interferência de externos.
Liberdade é poder navegar livremente na internet, visitar as páginas que quiser, escolher aquilo que considero verdade ou não sem ter que me explicar a ninguém.
Tanta coisa cabe e é possível porque existe Liberdade...
Mas a Liberdade é ainda muito mais do isto. Muitas outras pequenas coisas do nosso quotidiano apenas são possíveis porque vivemos em Liberdade e raramente refletimos no frágil que a Liberdade é.
Porque a Liberdade é composta de tantas pequenas liberdades, esta sofre de dois problemas fundamentais: primeiro porque pode-nos ser sonegada aos poucos, de forma quase imperceptível, sem que isso seja imediatamente perceptível; segundo porque a Liberdade só existe se continuarmos a lutar por ela. Se nos acomodarmos e deixarmos para os demais decidir sobre todo e qualquer assunto por nós, mais cedo ou mais tarde o primeiro problema vai tornar-se uma realidade.
É aqui que entra a crise. Não porque tenhamos perdido soberania nacional com a vinda da troika (que perdemos) nem que estejamos ainda reféns de uma ajuda estrangeira que, sendo necessária e fundamental para o Estado Português (e, por consequência, para todos nós), nos tem criado tantas dificuldades. Não é à crise económica ou financeira que quero refiro, ainda que esta esteja a contribuir em grande parte para a outra.
A crise é de valores, é a crise da sociedade atual como um todo. É uma crise existencial, uma crise cultural, é uma crise ética e filosófica.
A nossa sociedade é o conjunto de todos os habitantes que vivem neste país (naturais ou não daqui), aos quais devemos ainda incluir todos os nossos que atualmente estão no estrangeiro.
Toda a Liberdade, composta por tanta pequenas liberdades, apenas é possível numa coexistência em sociedade, numa sociedade em que essa Liberdade faça sentido.
Se assim é, não consigo compreender a razão que leva uma quantidade cada vez maior de pessoas a desligar-se completamente da sociedade. Deixam de ter amigos, deixam de participar em coletividades, deixam de ter intervenção cívica. Deixam de controlar a sua vida e passam a viver uma vida definida e controlada por outros.
Não há nada mais perigoso para uma sociedade livre que a ausência de liberdade de opinião, de escolha e de pensamento. Quando uma sociedade se demite de assumir estas liberdades, tendencialmente fica exposta à progressiva redução das restantes.
Acho que é isso mesmo que está, lenta mas progressivamente, a acontecer em Portugal. Questiono-me porquê... mas de uma coisa estou seguro: não vale a pena dizer que a culpa é dos outros, que nada podemos fazer... enfim, o discurso derrotista de quem está disposto a deixar de lutar por esta (ou outra) Liberdade.
As razões desta crise são demasiado diversificadas para serem abordadas num único texto e por uma única pessoa. Mas as suas consequências são tão perigosas que saltam à vista: não tratemos de defender a Liberdade e todo o nosso modelo de sociedade acabará, inevitavelmente, por ruir, como um castelo de cartas acossado pelo vento.
Para meditar.
Falaremos depois das razões desta crise.
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