Acabo de ler uma notícia que faz referência à intenção do diretor da ASAE em disponibilizar os seus laboratórios técnicos para prestarem serviços a clientes privados. Esta medida visa acima de tudo tentar gerar novas fontes de receita que permitam suprir o corte de 10% no OE para 2014.
Aproveito assim para lançar mais um tema em debate, até porque esta é uma matéria que eu defendo à vários anos: porque é que o Estado não rentabiliza melhor os seus recursos físicos, equipamentos e recursos humanos?
Desde que as funções do Estado não sejam colocadas em causa e tenham sempre prioridade, qual é o problema do Estado prestar serviços complementares a privados, alugar espaços, viaturas e equipamentos, gerando assim receitas extraordinárias que possam abrir caminho para uma eventual diminuição da carga fiscal?
Sempre me gerou confusão existirem infraestruturas do Estado que não podem ser utilizadas para fins particulares, quando estas não estão a uso para as funções para as quais foram criadas. Sempre me pareceu um completo desperdício de recursos, que tem levado à proliferação da duplicação de infraestruturas e equipamentos por este país fora.
Por exemplo: eu tenho necessidade de efetuar uma qualquer experiência laboratorial. Porque não poderei eu contratar os laboratórios de uma instituição de ensino superior ou mesmo de um hospital, se for o caso? Desde que essa atividade não se sobrepusesse às atividades normais do mesmo, seria uma fonte de receita adicional para essa instituição. Ou estarei errado?
Os fundamentalistas da iniciativa privada poderão argumentar que é uma ingerência do Estado e uma concorrência desleal. Ok, a situação resolve-se com simplicidade: os preços praticados não poderiam ser inferiores a 10% do preço médio praticado no mercado. Satisfeitos? Promove-se a livre concorrência, aumenta-se a oferta e ainda se conseguem receitas adicionais para o Estado, o que, a médio prazo, poderia permitir uma redução da carga fiscal, inclusive para as empresas.
Mas para os defensores da livre iniciativa privada, vamos fundamentar ainda mais: se os principais custos de uma empresa, a para da mão-de-obra e da energia, são as infraestruturas, o investimento e o know-how científico, não estaríamos também a fomentar o surgimento de novas empresas privadas? Por exemplo, novamente laboratorial: se eu quisesse abrir um negócio de produtos tradicionais virados para a exportação, teria de prever um sistema de embalagens que me permitissem fazer chegar os meus produtos em perfeito estado a qualquer ponto do mundo. Ao poder usufruir de análises e estudos técnicos adequados, poderia ter a garantia que qualidade nos meus produtos. Então isso não é fomentar a iniciativa privada?
Podemos estudar melhor formas de transferência dessa atividade: por exemplo, os estudos realizados em laboratórios oficiais passam a ser do domínio público ao fim de certo tempo. Existem muitas formas, basta definir as regras com transparência e rigor.
Outro exemplo: aparentemente temos muitos funcionários públicos em excesso. Será que nesses milhares de funcionários não existe nenhum que possa ser afeto a um mecanismo que promova a elaboração e prestação de serviços externos? Podíamos assim rentabilizar os recursos humanos existentes e evitar despedimentos.
Aliás, já existem imensos exemplos de organismos públicos que já prestam determinados serviços ao público e cobram taxas por isso. Não sendo novidade, uma maior rentabilização dos mesmos poderia gerar rapidamente milhares ou milhões de euros de receitas adicionais, sem termos de continuar permanentemente a aumentar impostos.
Só mais um exemplo: na educação aparentemente temos professores a mais. Bem sei que o governo propõe a possibilidade de professores explorarem escolas num sistema privado (do qual me pronunciarei mais tarde), mas porque é que as escolas onde existem professores com horário zero não podem promover atividades extra-curriculares pagas, como explicações, ATL, ações de formação, etc? Sempre que se mantenha a regra de praticar preços de mercado, parece-me uma atitude de gestão perfeitamente plausível.
Deveríamos analisar ponderadamente esta questão, sem dogmas nem preconceitos. Existem milhares de infraestruturas, equipamentos, recursos humanos qualificados e um imenso parque de viaturas que poderia ser mais rentabilizado.
Aliás, aqui poderíamos ir mais longe, analisando a possibilidade das instituições públicas estabelecerem parcerias público-privadas, onde o Estado colocava ao dispor da PPP os seus recursos e a parte privada potenciava a sua rentabilização, repartindo as receitas equitativamente entre as duas partes. Este assunto merece uma reflexão profunda, mas é tudo menos descabido.
Se o problema está na forma, pois discuta-se e defina-se a forma adequada de garantir a parte do Estado. Sem demagogias nem favorecimentos. Porque o nosso país já está farto de ambas.
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