Triste dia este em que formalmente nos despedimos da chamada troika, pois será certo e sabido que, como dizia outro, a dita vai andar por aí, com maior ou menor periodicidade e com mais ou menos intervenção nos nossos destinos futuros...
Ao contrário de muitas opiniões, o dia 17 de Maio de 2014 é visto por mim como mais uma oportunidade perdida de realmente resolver muito daquilo que está mal no nosso país.
Defendi a vinda da troika desde 2010, muito antes de Teixeira dos Santos ter tido o rasgo de sentido de estado que o impeliu a deixar de compactuar com a atitude suicida-criminosa-irresponsável do seu chefe. Tivéssemos pedido o resgate antes de estarmos com as calças na mão e algumas coisas seriam diferentes. Mas essa história fica para depois.
Defendi a vinda da troika por cinco razões:
1- infelizmente estava mais que visto na altura que os mercados não se iam acalmar e que qualquer intervenção da UE seria sempre demasiado demorada para nos ajudar. A UE sempre demorou meses (senão anos) a promover mudanças e a nossa situação agravava-se a cada dia que passava;
2- sempre achei um disparate a "chantagem" que estava a ser feita com os nossos bancos e sempre me pareceu, como aliás se confirmou em parte, que mais cedo ou mais tarde acabaríamos por ter de resgatar a nossa banca, tal como aconteceu a Irlanda, o que transformaria o nosso problema num caso ainda pior que o da Grécia. Felizmente as coisas foram atalhadas a tempo. Durante quase todo o ano de 2010 e no início de 2011, a nossa banca nacional acumulou dívida junto do BCE para simplesmente ir comprando a dívida pública do estado e com isso manter algum controlo artificial nas taxas de juro da nossa dívida. Aliás, foi quando esta torneira se fechou que o resgate foi pedido;
3- As nossas contas públicas eram uma farsa! Tinha a noção na altura que existia um elevado valor completamente for do perímetro orçamental e sabia que apenas teríamos valores relativamente realistas se tivéssemos cá gente que nos obrigasse a assumir as nossas contas e as nossas despesas com transparência e realismo. Não me enganei: logo apareceram os buracos da Madeira, das autarquias, das empresas públicas, da parque escolar, enfim, um sem número de "gatos escondidos com o rabo de fora", como se costuma dizer. Este foi aliás o único ponto em que a vinda da troika nos trouxe uma melhoria visível: sabemos muito mais a nossa realidade financeira hoje que há três anos atrás.
4- O nosso estado, a nossa economia, a nossa justiça, a nossa saúde e a nossa educação, pilares fundamentais para qualquer sociedade, tinham caído, com maior ou menor intensidade, com maior ou menor dolo, nas malhas de lobbys e de redes de interesses corporativistas. Entendia que a presença destes estrangeiros era a oportunidade de ouro para, mesmo com políticos fracos de espírito e de carácter, o nosso estado se libertar desse jugo. Nestes três anos vieram a público muitos exemplos e alguns setores viram algumas melhorias, mas infelizmente está ainda muito por fazer;
5- Sendo eu defensor de um modelo keynisiano e do estado social (aplicado segundo os seus princípios e não como os últimos governos o fizeram, a título deste modelo mas com uma irresponsabilidade tal que o seu mentor deve andar às voltas no seu local de descanso eterno), tenho plena consciência que o estado numa economia moderna e totalmente aberta deve ter um papel fortemente fiscalizador e regulador na economia mas não deve ter uma presença económica direta. A economia controla-se com a legislação clara, com a fiscalização efectiva e com a regulação cirúrgica. Por isso faz falta uma verdadeira reforma do estado, a todos os níveis. O poder político não pode continuar refém dos interesses económicos e isso não vai acontecer enquanto o estado não se afastar da economia e se concentrar nas suas funções sociais, de legislação, fiscalização e regulação, mantendo as contas públicas em ordem e sem despesismos irracionais. Por isso também defendi a vinda da troika, pois esperava que os três maiores partidos tivessem a atitudes responsável de rever a constituição, nomeadamente nas questões essenciais: separação de poderes, enriquecimento ilícito e limites ao défice e ao endividamento. Claro está que, com uma ou outra excepção, quase tudo ficou por fazer.
É por todas estas razões que estou triste. Fica a consolação de algumas melhorias, de podermos dizer que somos um povo cumpridor e respeitador, mas as medalhas de cortiça não me parecem ser suficientes.A principal melhoria (que espero não se destrua) foi realizada pelas nossas empresas, que souberam começar a virar-se para a exportação. Muito ainda está por fazer mas já temos algum caminho percorrido. Espero que não se destrua isso.A nossa classe política, de uma ponta a outra, continua a apresentar argumentos e justificações para o que de bom ou mau aconteceu que, regra geral, não passam de falácias ou, pelo menos, meias-verdades. Mas a isso voltarei mais tarde, quando tiver oportunidade de fazer um balanço concreto daquilo que era o PEC IV, o que foi o memorando de entendimento inicial e o que efectivamente foi alcançado, assim como os principais indicadores económicos e sociais.
Fica assim para a história a pseudo-vitória da nossa soberania, que advoga agora o direito de decidir apenas no parlamento o futuro do nosso país. Como se isso descansasse alguém...Lembro-me agora de um filme de Manuel de Oliveira, cujo título (e já agora, o argumento do mesmo, aferidas as devidas diferenças) sintetiza bem a nossa realidade: a vã glória de mandar num país onde os problemas não se resolvem, disfarçam-se; a economia não se melhora, financia-se; os mercados não se regulam, controlam-nos; as funções sociais do estado não se optimizam, ajustam-se; o estado não se reforma, encolhe-se; a sociedade não se ensina, educa-se; o crescimento não se promove, compra-se.
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